segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A Vaia

Jogando com o São José, quarta-feira dia 11, o time do Brasil , num dado momento do segundo tempo, sendo pressionado e colocando-se na defensiva, foi vaiado.
O fato, que teve algum destaque na imprensa me leva a fazer algumas considerações.
Costuma-se muitas vezes dizer, os cronistas esportivos em particular, que o torcedor, se foi ao campo e está pagando ingresso, tem o direito de vaiar contanto que não entre no terreno das ofensas pessoais ou formas de agressão física.
Isto em parte parece ter algum fundamento pois é este torcedor que dá vida ao time, lhe dá sustentação com seu comparecimento e sua contribuição financeira.
Sem ele o clube não existe.
Mas, por outro lado, há algumas particularidades que precisariam ser consideradas.
Observando a classificação observo que, neste momento, o Brasil faz uma campanha vitoriosa com a maior soma de pontos entre todos os times participantes considerando ainda que tem um jogo a menos.
Ou seja, dentro dos parâmetros de uma competição em que outras equipes também tem suas qualificações, o saldo é obviamente muito positivo.
Posso entender que, episodicamente, no desenrolar de um jogo, o time não acompanhando o ritmo que se espera, o torcedor como demonstração de sua impaciência e de sua decepção, reaja através da vaia.
È a sua forma de se fazer ouvir, de fazer ecoar pelo estádio sua indagação: “qual é? nós estamos aqui, não esqueça que isto não é um treino, pagamos para ver espetáculo, ver jogo, ver empenho, vamos correr, vamos disputar, vamos dividir!”
Mas, por vezes, a vaia pode ser injustificada e especialmente cruel , sobretudo quando dirigida não à equipe como um todo mas a algum jogador em particular.
No geral, no entanto, a vaia costuma ser aceita e até apontada como uma manifestação de caráter democrático, como uma forma da multidão expressar seu sentimento de inconformidade. Há, aliás,vaias que se integram à história.
Um dos exemplos mais interessantes foi a promovida durante o III Festival Internacional da Canção de 1968 pelo público inconformado com a premiação em primeiro lugar da música “Sabiá” ( Chico/ Vinicius de Moraes) em lugar da sua favorita “Prá Não Dizer Que Não Falei Das Flores" de Geraldo Vandré.
No momento de se apresentar como segundo colocado,Vandré se depara com uma imensa vaia de protesto ao resultado, favorável portanto à sua música, e procura acalmar o público.
Todas as suas intervenções, contudo, inicialmente de defesa da música vencedora, a seguir do júri, parecem só servir de incentivo a vaias ainda mais ruidosas por parte do público que grita: “é marmelada, é marmelada.”
Vandré tenta ainda argumentar iniciando a dizer: “prá voces que pensam que me apoiam vaiando ...” mas não consegue ir além disto e o efeito é tornar a vaia ainda mais estrondosa. Desiste, por fim, e trata de cantar sua música da forma como pode.
O que se depreende deste episódio é o entendimento de que a vaia tem sua lógica própria basicamente determinada pela convicção por parte do grupo que vaia, que sua ação se sobrepõe a todos os argumentos, não importa de quem possam advir nem qual seu conteúdo.
A vaia se apresenta assim como absoluta, ditatorial, sem comportar contestação, a não ser de outra vaia.
Cabe, então, perguntar, será realmente democrática?
Um outro exemplo de vaia, mais recente mas igualmente significativo, foi a recebida pelo presidente Lula na inauguração do Pan Americano, uma das vaias , aliás,
mais constrangedoras que tenho conhecimento.
A vaia surgiu assim que o nome do presidente foi anunciado para fazer a abertura oficial do evento.
Com o discurso pronto na mão Lula ainda ensaia sair do lugar de honra em que se encontra mas , percebendo que seria impossível falar , não se dirige para o palanque. Neste momento, o presidente da cerimônia, percebendo o impasse, acaba dando continuidade à abertura sem a fala presidencial.
Mas voltando ao jogo quero concluir que embora exercitando, como disse , algo que é apontado como um direito, o torcedor não pode esquecer que dentro do campo estão seres humanos , que fazem do futebol sua profissão, com suas fraquezas, seus problemas familiares, não necessariamente super-homens que vão furar a defesa adversária com super-poderes.
Há casos em que o torcedor se volta contra um jogador em particular, vaiando cada vez que ele se aproxima da bola.
Fico imaginando este homem chegando em casa, depois de um jogo noturno, cansado, extenuado, com lesões e escoriações pelo corpo, com os apupos e as ofensas ainda ecoando nos ouvidos, algumas ofensas bem diretas toda vez que chega perto do alambrado para buscar a bola num lateral.
Chega se discretamente, envergonhado de encontrar a mulher e o filho de 7 anos que acaba de acordar.
Mas ambos o estão esperando e o filho vai logo perguntando :
“ - Pai, como foi o jogo? “
Independentemente do resultado ( seu time pode até ter vencido) o que está muito presente em sua mente é a vaia e não sabe como omiti-la.
Queria sempre poder dizer a verdade ao filho como um elo de confiança entre eles.
Por isto só responde rapidamente
“ - Foi bom , mas me deu uma fome danada “ e se dirige ligeiro para a cozinha, sem dar mais explicações e evitando olhar seu filho.

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